5 de jan. de 2013

divindade

Criei um mundo inteiro.
Criei vida nesse mundo.
A vida foi criando um novo mundo.

Fiz essa vida criar mais vida, em outros mundos que eu também criei.

Povoei um desses mundos com 5 bilhões de alongados seres estranhos, de mais de dois metros de altura. Cadavéricos. Rosto e corpo de tez muito pálida, lábios finos, nariz alongado ao longo do rosto espichado. Órbitas oculares profundas, virando uma protuberância óssea na parte de cima, em gradiente grosseiro. Duas esferas absolutamente negras no centro dessas órbitas: dois olhos. Grossos fios brancos de algo como um cabelo encaracolado no topo das cabeças.

Pus cérebro nas cabeças.

Fiz um dos cérebros se revoltar contra tudo o que eu havia armado. Fi-lo sofrer com isto, para meu divertimento. E o que eu planejava ser o divertimento dos outros, também: um conto.

Tentei fazer com que ele desfizesse a ordem que eu havia estabelecido. E, ao tentar fazê-lo desfazer algo que nem sua criadora conseguiria, ele falhou.

Rapidamente.
Mesmo uma divindade só pode fazer o que é lógico.

Depois de longa hesitação, desisti, com muita luta. Tentei desfazer tudo em um passe de mágica.

Matei lentamente os 80 bilhões de seres que criara. Tentei matar os mundos em que eles um dia viveram, mas os mundos não se foram.

Um universo cheio de novas possibilidades, novos conhecimentos, novas belezas, novos fascínios - que nunca ocorrerá - se recusa agora a morrer, e persiste. Mundos variados, mórbidos, lindos, curiosos, excitantes e platônicos gritam bem dentro dos meus ouvidos, constantemente. E eles continuam comigo, coexistindo com o meu, como se tivessem se instalado fisicamente em uma dimensão paralela que criei ao imaginá-los.

Será que o próprio Deus era um escritor confuso, e este Universo imperfeito uma história que não deu certo?

Vou me isentar que qualquer culpa relativa a isso com a desculpa de que o universo que criei é só um reflexo daquele em que vivo: problemático, corrompido, conflituoso e ilógico. Se servir de consolo... também estarei sendo açoitada pelas mesmas chibatas pelo resto de minha vida...

Tenho a consciência limpa.

Hoje, recebi em sonho lúcido a visita de uma criatura de mais de dois metros de altura, pálida, de olhos muito negros e duas reentrâncias na cara. Trazia fios encaracolados de algo parecido com cabelo no topo da cabeça. Surgiu na minha frente, com um sorriso de leve nos lábios finos e uma alegria esculpida no rosto espichado, e me agradeceu por livrá-lo daquele fardo.

Só vivo agora a esperar pelo momento em que este rumor de gritos de dor e fúria dentro da minha mente vá se transformar em nada, ou em alguma coisa. Que ele se vá pra sempre, ou eu consiga arranjar uma salvação para ele. Quem sabe até melhor que a original, ou a original feita melhor. Quem sabe em breve.

Isto é um bom fim pra uma história que nem começou direito?
Acho que é.

Sempre pode ser um novo começo.
Só depende da divindade.