16 de abr. de 2013

O Messias, pt. I

O populado que chamavam de Pangeia Ocidental era um lugar estranho para se viver. Primeiramente, não era exatamente um lugar pequeno como a alcunha “populado” dava a entender. Era só... estranho. Como se tivessem pegado uma estereotípica metrópole, irremediavelmente infectada por arranha-céus, multidões, ressentimento, carros e toda essas manifestações psicossomáticas de uma urbanização violenta, copiado em algum software de edição de imagens, e repetidamente colado e ajeitado as colagens lado a lado neste mesmo software,  até que se cobrisse todo o continente americano e o editor morresse de inanição por ter ficado tanto tempo na frente do computador.

Não adiantava o esforço repetitivo das autoridades em dividir esta metrópole continental  - que seria um bom nome para o fenômeno deste lugar, se o período de atenção de 80% dos 1 bilhão e meio de habitantes fosse maior que 1 segundo e meio, menos do que o necessário para terminar de pronunciar o termo antes de morrer de tédio. A homogeneidade sócio-cultural do lugar permanecia mais ou menos a mesma em qualquer cidade, dispostas em padrão irregular através da superfície de mais ou menos 170 milhões de quilômetros quadrados, que continha poucos acidentes geográficos -  em torno dos quais, porém, ainda tentavam-se criar mais divisões geopolíticas parecidas com países. O caráter de tais divisões era puramente administrativo, e a administração toda era ilusória; no fundo, até as grandes massas tinham aquele sentimento de que as ordens vinham sempre de uma única entidade obscura que ninguém sabia realmente quem era.

Por falta de um termo melhor para classificar tal fenômeno de urbanização, chamou-se populado. Até porque era bem... "populado" mesmo. Todo mundo entendia assim, os geógrafos e urbanistas em geral não precisavam ficar prolongando seus imbróglios e tinham mais tempo para gastar na frente de um videogame ou similar, como vegetais vertebrados.

Em segundo lugar, as pessoas que viviam lá eram muito mais estranhas do que a própria palavra “estranha” normalmente permite que as pessoas sejam. Para um ser humano comum, que tivesse QI superior a 60 e no mínimo um pingo de raciocínio lógico, o lugar era o mais insuportável dos lugares insuportáveis. Uma merda mesmo. Os que nasciam assim em Pangeia Ocidental acabavam perdendo a razão ou tirando a própria vida antes dos 20 anos de idade, frequentemente confiscando a vida de muitos outros também, antes disso.

O lugar só conseguia se manter porque, na curva relacionando o critério inteligência/raciocínio lógico com a suportabilidade da sobrevivência em Pangeia Ocidental, chegava a um ponto em que o primeiro era tão alto que o indivíduo se apercebia da possibilidade de usá-lo para odiar o resto da raça humana de maneira menos passivo-agressiva e mais ativa. Normalmente, eles escolhiam fazer isso abrindo bancos, ONGs e instituições de apoio à paz e aos Direitos Humanos . Estes eram os 1% da população que não eram odiosamente estranhas e cujos interesses mesquinhos eram plenamente compreensíveis.

O resto era impossível de se olhar sem que o cérebro de um ser humano comum se retorcesse e gemesse em agonia, vindo a óbito imediatamente depois. Cada cidadão da Pangeia Ocidental era uma massa de tons, sombras e luzes irreconhecíveis que se apresentavam nos padrões e formatos mais bizarros que Pollock jamais teria a capacidade de imaginar. Os adereços que utilizavam ultrapassavam em cores talvez até o espectro eletromagnético visível. Ser bizarro era tão normal que as pessoas se vestiam de seres humanos no Halloween. Ser normal então era bizarríssimo.

Cada ser humano em Pangeia Ocidental se considerava único, e sua originalidade tendia a se mesclar às dos outros, uniformizando-se em uma grande massa de um nada absolutamente rico e complexo, uma dança de produtos e demais formas de capital físico sobre a elongada superfície de uma überlópole intrincada. Tal originalidade também variava de época pra época, de moda pra moda. Cada indivíduo propagandeava sobre si as virtudes que tinha o desejo de ter – de preferência, a virtude mais “in“ do momento.

Para expressar sua identidade pessoal por marcas - em Pangeia Ocidental é muito mais importante consumir conteúdo que produzi-lo – os cidadãos aglomeravam-se em longas filas e multidões que mais pareciam aglomerações de zumbis esperando a loja de produtos naturebas abrir para comprar carne de soja, porque foram sugeridos durante hipnose que deveriam ser vegetarianos. O inventor só se destacava em relação ao marqueteiro/contrabandista de patentes se fosse muito mais bonito e sensual, porque a avareza do último pode ainda ser considerada pecado capital em favor da boa conduta cristã que fundou este hemisfério, mas em termos de capital, é virtude.

Falando em pecado... fica claro já era chegada a hora do retorno de um Messias. Seria bacana alguém dando algumas lições de virtude e moral nestes tempos que começavam a ficar dificílimos após muitas crises e flutuações no mercado. Em nome da originalidade e da liberdade de expressão, é claro.

O Messias acabou vindo. Era caucasiano, tinha longas madeixas cor de ouro e um barbão. Desceu dos céus vestindo uma camisa da URSS e uma boina de Che Guevara que já tinha saído de moda fazia uns 5 minutos, mas ainda ficava bem nele, então estava perdoado pelo senso comum. Fora que barbão estava super em voga.

Na placa que trazia nas mãos, estava escrito "você não é pessoa, você é consumidor" em fonte Verdana, rosa-choque.

Foi o Me$$ia$ que a rapeize pediu a Deus.